a música pop é e faz sociedade, serve de espelho e de exemplo, mostra as partes pudendas do bicho homem tanto como serve de inspiração, moral e transmissível, contagiante como uma virose, menear de ancas e consumir de drogas, ou ambas, um refrão assobiado, os 15 minutos de fama, conselhos para uma conduta ready-made, comportamentos estafados e batidos amplificados por microfones, lábias que namoriscam câmaras de tv, mais ou menos autênticos vídeos do youtube que se propagam na cornucópia da abundância que é a nossa tolerância, pessoal, audiovisual, musical. somos condescendentes para com os extravagantes da pop e neste ponto interessam-me dois em particular – no canto fluorescente o bez, o ícone dos happy mondays, o inútil da banda, o tolinho da aldeia, o transportador de ácidos que não toca coisa que se veja, limita-se a sacudir umas pseudo-maracas cuja importância na muralha de som vintage, colheita madchester, ainda está por provar. sucede que o bez não canta mas balança-se. tem estilo. dá groove, envolve, uma presença em palco qual peçonha de aranha, uma distracção e o corpo do destinatário já se enleia, já se contorce, e o mimo-que-marcha-mas-não-sai-do-sítio passa a ser o centro das atenções, o core business dos acordes, não emite um som, não se lhe ouve um pio, não se lhe descortina uma função útil à sociedade, usa alças mas não é trolha, não constrói nada. marca o ritmo. hipnotiza. no canto laranja, aquela que identifiquei nos últimos tempos de luta pelo zezinho como a sua alma gémea à escala do portinho da arrábida que é o nosso portugal intelectual – o professor marcelo. também o marcelo [permita-se-me a ousadia de tratá-lo assim] sacode a anca no palco mediático, seduz, encanta, solta a verve de timbre cicioso como quem sacode uma maraca quase muda, tem um swing de fazer vista, entretém e trafica os docinhos desemperra meninges de que o português tanto gosta, um abre-latas pastilha elástica para as manhas da politiquice, e há lá coisa mais pop do que o diz que disse, a frase assassina lançada ao ministro efémero, a pastilha desfeita na língua do basbaque que assiste à nova eucaristia dominical, tudo alicerçado numa lógica de celebridade que trocou as voltas à vichyssoise, portas way, formiguinha da facadinha nas costas que ganhou direito à tribuna sem precisar de construir nada de relevante, de trolha só o gosto pela leituras oficina do livro, tal como o bez, função social difusa, jeito para o show must go on total, olho arregalado - confere, andamento frenético - confere, duas horas de sono - confere, a maior parte das vezes com vantagem para o súbdito de sua majestade, há muito tempo piloto de testes das maravilhas sintéticas do país das túlipas, um regalo ouvê-los mexer, dar o tom, embalar o berço dos cérebros que querem vaguear numa eterna maionese de conceitos e pautas mal amanhadas mas muito convictas, pelo menos durante os minutos em que duram as ideias pop, desde que a dita maionés, como soi dizer-se em bairros de fino recorte, não talhe nem azede demasiado para o nosso lado havemos de sobreviver, cada um sabe de si e o opinion [des]maker sabe de todos, graças ao deus reguila de relógio na mesa e à sua benção de entendido em terra batida. pegando num episódio elucidativo do que aqui vou defendendo recordo um festival sudoeste de há 7 ou 8 anos que contou com a presença dos happy mondays, razão suficiente para lançar à estrada uma certa e determinada trupe em que eu estava embrulhado, ansiosos por presenciar mais uma daquelas tourneés salva-dívidas em que o que verdadeiramente conta para os fanáticos são os balanços metronómicos, bemol, sustenido, dó ré mi fá sol que nunca se põe quando a guitarra corta cerce, o ryder a sussurrar imperceptibilidades e o bez a dançar. sempre. a distrair. a cativar. a dar notas ao governo. vejam como sou eloquente, à frente, atrás, quando convém, quando mudo de estação de tv, lá estou eu a baralhar personas, dizia que o bez de final de século estava imparável, o set termina, luzes abaixo, saída de palco, e eu inconsolável, frio de saudade instantânea pronta a sorver, luzes acima, entram os massive attack, e eu mais quentinho, e à terceira malha o golpe de teatro, o bez de novo no palco, a menear-se, com audiência garantida quem é que o convence de que há momentos em que se deve sair de cena, houvesse portais de video sharing e social networking à época e lá estaria ele à lareira com uma moçoila embevecida, a arengar, a dar o corpo ao manifesto, a assumir a lógica do boneco teimoso que quer opinar sobre tudo, o tony wilson isto, a factory aquilo, a ivg aqueloutro, como quem quer ser líder de banda mas não se assume, planando por razões de charme um, por razões de ácidos outro, lá estou eu a desfocar-me da narrativa, dizia então que o bez fez de intruso e um roadie apontou-lhe a saída, expô-lo ao ridículo do excesso de protagonismo, transformou o swing numa anedota perante milhares e milhares de espectadores. percebo agora que o dito roadie assumiu o papel de gato fedorento em antecipação. expôs a ambiguidade e a anca dançante à luz crua da realidade possível e o que se viu fez rir. muito. em tragédias deste calibre tendo a procurar pontos de contacto com estas almas expostas, sou vagamente solidário com quem dá muito o flanco, por vontade sua ou alheia, por intervenção dos químicos ou por afã de deslumbrar os disponíveis para a dinâmica política pop-ularucha, e à guisa desse esforço faço um stop-rewind, recorro à elasticidade da memória e vislumbro atitudes que definem a raça de homem. de um lado o membro de um colectivo que enfia a patranha da "inspiração" pela goela dos tecnocratas da música-negócio, que viaja para as caraíbas em estilo pensão completa e que estoira tudo em putas e vinho de lá do sítio, dificilmente verde como o da nossa terra, feito a marcelo. do outro um ascensorista de secção a nadar no tejo, com os olhinhos coruscantes nos [poucos] holofotes disponíveis à época. e é nessas alturas que eu penso que os amantes do crack fazem definitivamente mais o meu género do que os professores de direito. assim não? pois.
a música pop é e faz sociedade, serve de espelho e de exemplo, mostra as partes pudendas do bicho homem tanto como serve de inspiração, moral e transmissível, contagiante como uma virose, menear de ancas e consumir de drogas, ou ambas, um refrão assobiado, os 15 minutos de fama, conselhos para uma conduta ready-made, comportamentos estafados e batidos amplificados por microfones, lábias que namoriscam câmaras de tv, mais ou menos autênticos vídeos do youtube que se propagam na cornucópia da abundância que é a nossa tolerância, pessoal, audiovisual, musical. somos condescendentes para com os extravagantes da pop e neste ponto interessam-me dois em particular – no canto fluorescente o bez, o ícone dos happy mondays, o inútil da banda, o tolinho da aldeia, o transportador de ácidos que não toca coisa que se veja, limita-se a sacudir umas pseudo-maracas cuja importância na muralha de som vintage, colheita madchester, ainda está por provar. sucede que o bez não canta mas balança-se. tem estilo. dá groove, envolve, uma presença em palco qual peçonha de aranha, uma distracção e o corpo do destinatário já se enleia, já se contorce, e o mimo-que-marcha-mas-não-sai-do-sítio passa a ser o centro das atenções, o core business dos acordes, não emite um som, não se lhe ouve um pio, não se lhe descortina uma função útil à sociedade, usa alças mas não é trolha, não constrói nada. marca o ritmo. hipnotiza. no canto laranja, aquela que identifiquei nos últimos tempos de luta pelo zezinho como a sua alma gémea à escala do portinho da arrábida que é o nosso portugal intelectual – o professor marcelo. também o marcelo [permita-se-me a ousadia de tratá-lo assim] sacode a anca no palco mediático, seduz, encanta, solta a verve de timbre cicioso como quem sacode uma maraca quase muda, tem um swing de fazer vista, entretém e trafica os docinhos desemperra meninges de que o português tanto gosta, um abre-latas pastilha elástica para as manhas da politiquice, e há lá coisa mais pop do que o diz que disse, a frase assassina lançada ao ministro efémero, a pastilha desfeita na língua do basbaque que assiste à nova eucaristia dominical, tudo alicerçado numa lógica de celebridade que trocou as voltas à vichyssoise, portas way, formiguinha da facadinha nas costas que ganhou direito à tribuna sem precisar de construir nada de relevante, de trolha só o gosto pela leituras oficina do livro, tal como o bez, função social difusa, jeito para o show must go on total, olho arregalado - confere, andamento frenético - confere, duas horas de sono - confere, a maior parte das vezes com vantagem para o súbdito de sua majestade, há muito tempo piloto de testes das maravilhas sintéticas do país das túlipas, um regalo ouvê-los mexer, dar o tom, embalar o berço dos cérebros que querem vaguear numa eterna maionese de conceitos e pautas mal amanhadas mas muito convictas, pelo menos durante os minutos em que duram as ideias pop, desde que a dita maionés, como soi dizer-se em bairros de fino recorte, não talhe nem azede demasiado para o nosso lado havemos de sobreviver, cada um sabe de si e o opinion [des]maker sabe de todos, graças ao deus reguila de relógio na mesa e à sua benção de entendido em terra batida. pegando num episódio elucidativo do que aqui vou defendendo recordo um festival sudoeste de há 7 ou 8 anos que contou com a presença dos happy mondays, razão suficiente para lançar à estrada uma certa e determinada trupe em que eu estava embrulhado, ansiosos por presenciar mais uma daquelas tourneés salva-dívidas em que o que verdadeiramente conta para os fanáticos são os balanços metronómicos, bemol, sustenido, dó ré mi fá sol que nunca se põe quando a guitarra corta cerce, o ryder a sussurrar imperceptibilidades e o bez a dançar. sempre. a distrair. a cativar. a dar notas ao governo. vejam como sou eloquente, à frente, atrás, quando convém, quando mudo de estação de tv, lá estou eu a baralhar personas, dizia que o bez de final de século estava imparável, o set termina, luzes abaixo, saída de palco, e eu inconsolável, frio de saudade instantânea pronta a sorver, luzes acima, entram os massive attack, e eu mais quentinho, e à terceira malha o golpe de teatro, o bez de novo no palco, a menear-se, com audiência garantida quem é que o convence de que há momentos em que se deve sair de cena, houvesse portais de video sharing e social networking à época e lá estaria ele à lareira com uma moçoila embevecida, a arengar, a dar o corpo ao manifesto, a assumir a lógica do boneco teimoso que quer opinar sobre tudo, o tony wilson isto, a factory aquilo, a ivg aqueloutro, como quem quer ser líder de banda mas não se assume, planando por razões de charme um, por razões de ácidos outro, lá estou eu a desfocar-me da narrativa, dizia então que o bez fez de intruso e um roadie apontou-lhe a saída, expô-lo ao ridículo do excesso de protagonismo, transformou o swing numa anedota perante milhares e milhares de espectadores. percebo agora que o dito roadie assumiu o papel de gato fedorento em antecipação. expôs a ambiguidade e a anca dançante à luz crua da realidade possível e o que se viu fez rir. muito. em tragédias deste calibre tendo a procurar pontos de contacto com estas almas expostas, sou vagamente solidário com quem dá muito o flanco, por vontade sua ou alheia, por intervenção dos químicos ou por afã de deslumbrar os disponíveis para a dinâmica política pop-ularucha, e à guisa desse esforço faço um stop-rewind, recorro à elasticidade da memória e vislumbro atitudes que definem a raça de homem. de um lado o membro de um colectivo que enfia a patranha da "inspiração" pela goela dos tecnocratas da música-negócio, que viaja para as caraíbas em estilo pensão completa e que estoira tudo em putas e vinho de lá do sítio, dificilmente verde como o da nossa terra, feito a marcelo. do outro um ascensorista de secção a nadar no tejo, com os olhinhos coruscantes nos [poucos] holofotes disponíveis à época. e é nessas alturas que eu penso que os amantes do crack fazem definitivamente mais o meu género do que os professores de direito. assim não? pois.