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emigram 300 pessoas por dia. nenhuma é do governo.
soube hoje da sua morte pelo facebook do Gonçalo. há anos desenhei-o assim para a LER, carregado de livros, tomado por eles. até sempre Manuel Medeiros; as livrarias, os livreiros, o saber, a Culsete, ficam mais pobres. logo numa altura em que não devíamos prescindir de nada.
há dias alguém me disse "tens de ler o livro do Bruno, de certeza que vais gostar", isto porque sou assim, previsível, razoavelmente transparente, costumo andar com as preferências à mostra, e quem mo disse não se enganou, gostei e muito, mas é natural, pessoas que tenham nascido nos setentas tendem a rever-se nas referências dos oitentas, menos modern talking, mais café instantâneo brasa e carros majorette, artifícios aos quais o Bruno recorre com mestria para construir uma narrativa em que também ele, autor, se faz transparente, percebe-se onde cresceu, o que viu e viveu, e a isso foi somando a mão segura da escrita, a melancolia, o humor, a amargura, tudo nas doses certas, mais um manancial de personagens trazidos à liça pelo narrador, aliás, é nesse manancial que se apoia o romance, e essa escolha de fio condutor é aquilo de que menos gosto n'as primeiras coisas, preferia um entrelaçar a este elencar de gente, mas enfim, autor é sinónimo de soberano, e as histórias que vai desfilando, e o cuidado que põe nelas, e as emoções que convoca (olá dona Beatriz) fazem com que eu ceda às opções de elenco em ordem alfabética, e lá ao fundo o narrador, assistindo impávido à sua própria destruição, como se fosse um camus habituado a usar os cacilheiros, ou os catamarãs da soflusa, para ser mais exacto, desfazendo-se entre viagens com destino à margem certa, e eu encantado com estas 300 páginas, nas quais o Bruno não quer ver ponta de neorrealismo, mas engana-se, nem todas as histórias metidas nesse saco prometem amanhãs que cantam, algumas há que se limitam a anunciar a mesma terra de merda sobre a qual poisamos os pés e que se recusa a decompor-nos os corpos, a puta, enfim, acrescento só que li mais de metade do livro numa única noite, deitado na cama ao lado da minha mulher, que dormia o sono dos justos e dos trabalhadores, enquanto eu, folgazão, desbastava páginas à velocidade da luz. da luz da madrugada, entenda-se. as primeiras coisas recomendam-se, e muito, e por isso perdoo ao Bruno ter confundido um desodorizante com um todo-o-terreno. é que a coisa chamava-se 8x4 e não 4x4, homem.
só faltou dizer que o schauble nunca se levantou para o cumprimentar.
hoje às 18h30 a Karla Suárez fala no Instituto Cervantes sobre amor e literatura. eu, tipo, faço malabares.
numa passagem do estupendo e agora repescado "mais um dia de vida", ryszard kapuscinski diz que gostaria de ter tido um passe, um salvo-conduto irrevogável, que lhe permitisse deslocar-se sem problemas pelas zonas críticas de uma angola mergulhada na guerra. coitadinho. bateu a bota sem saber que essa palavra, irrevogável, também já morreu.
como a imagem de nossa senhora viajou em executiva até roma, a procissão de ontem em fátima fez-se em louvor de uma cópia. sentado à direita do pai, onde tem lugar cativo, andy warhol esboçou um sorriso.