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normalmente este tipo de livros é lançado em aniversários redondos, em efemérides, mas neste caso assinalam-se os 31 anos desde os incidentes de saltillo. graças a ele conseguimos perceber boa parte daquilo que se passou no méxico, o que levou ao caso saltillo, e suas consequências. em boa parte, tratou-se de um belíssimo exemplo de luta de classes, numa época em que o país atravessava mudanças profundas. e isso é muito bem explicado pelos autores. se hoje em dia parecem caricatas algumas exigências fundamentais dos jogadores de então - o direito a um passe vitalício para entrada em recintos desportivos, por exemplo - percebe-se que naquela altura os protagonistas do jogo que arrasta milhões eram mesmo os parentes pobres de um negócio que já movimentava muito dinheiro. há um trabalho de pesquisa evidente, entre consultas à imprensa dos oitentas e entrevistas nos dias de hoje, e faz-se luz sobre um processo que mudou radicalmente as estruturas anquilosadas do futebol nacional. o esforço é particularmente meritório. nota negativa apenas para o registo e linguagem escolhidos, demasiado colado aos chavões do pontapé na bola, tantas são as referências a "tentos", "certames"e "avisos à navegação". seja como for, é um volume bastante recomendável, sobretudo pela ilustração que faz de um país que mudou muito e nada. um excerto elucidativo:
(Vitor Serpa) dá um exemplo do distanciamento entre presidente da Federação e jogadores: "Chegou a ir a Saltillo e não visitou a seleção. Levou uma santinha que trazia de Portugal e pô-la na igreja de Saltillo, apanhou o avião e foi-se embora sem sequer entrar no La Torre. Não teve qualquer tipo de contacto com os jogadores e disse que não quereria ter". Joaquim Oliveira recorda-se da breve passagem de Silva Resende por Saltillo: "Chegou lá com uma Nossa Senhora de Fátima. Era tudo muito lindo, mas caiu mal nos hogadores".
edição tinta da china
um tour de force do Afonso Cruz que tem vantagens e desvantagens. muito do que passa por este "jalan jalan" (o título significa algo como passear) tem sido dito pelo Afonso em encontros literários, em artigos de jornal, em encontros mais ou menos fortuitos sentados à mesa. ideias boas, ideias recorrentes, ideias fixas. erudição sólida que arrisca cair no name dropping mas que se salva no último momento. filósofos pré-socráticos e cientistas, viagens e literatura. e sensibilidade. creio que o livro vai melhor quando se exploram os conceitos de tempo e de empatia - caros ao autor - desmanchando os discursos monolíticos da produtividade e da competição, entre outros demónios. e no entanto, diria que as ideias florescentes do autor brilham mais nos romances. assentam melhor nas tramas literárias de grande fôlego do que nestas páginas a seco. é um compêndio de cultura, de pensamento, de auto-reflexão que se percorre com gosto e curiosidade, mas a espaços sentindo saudade de um caldo literário que matize e enquadre tanta bagagem de viajante. de viajante de facto, de viajante intelectual. uma coisa é certa, somos contemporâneos de um autor que está manifestamente a construir um universo muito rico, cheio de sinapses e pontos de encontro. e isso é um privilégio, sobretudo quando podemos desfrutá-lo em ritmo de passeio.
edição companhia das letras
há um distanciamento por explicar na minha relação com o livro, sobretudo porque lhe reconheço a arquitectura perfeita, a erudição absoluta, a sageza na montagem da personagem. são tantas as piscadelas de olho literárias que o leitor militante não pode deixar de sentir-se seduzido e desafiado em partes iguais. e no entanto não consegui estabelecer empatia com este "paris nunca se acaba". como se sentisse a falta de ruído, sangue, nervos. a dado momento, e embora o estilo e a verve de cada autor sejam sempre uma forma de exibição, mesmo talentosa, aqui incomoda-me uma certa prosápia que pode muito bem não estar lá. aliás, o autor que é personagem pode bem nem ter estado naquelas situações que acabaram aborrecendo-me. e isso no fundo faz todo o sentido.
edição teorema