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óptima síntese do caldo político que levou ao triunfo de lenine em 1917, num contexto de guerra na europa e de múltiplos interesses em jogo. foram os alemães que cederam a passagem ao líder de apenas uma das facções revolucionárias em disputa, permitindo-lhe regressar à terra natal, apostando numa desestabilização da rússia que a retiraria do conflito. azar dos távoras, o regresso de lenine foi um pouco mais além. em termos simbólicos e em jeito de pista para o futuro, há um detalhe delicioso. no comboio selado, lenine insistiu que não se fumasse nos compartimentos e corredores, deixando apenas o wc da carruagem para esse efeito. e fumava-se muito. naturalmente, com as necessidades fisiológicas entraram em conflito com o vício, e instalou-se a confusão. foi então implementado um sistema de senhas, com os números 1 e 2. 1 para necessidades, 2 para fumaças, com as primeiras a terem prioridade sobre as segundas. estava assim inaugurada a famosa burocracia soviética. de tudo o que veio depois, sabia-se muito pouco.
edição temas e debates
à partida nada me faria pegar neste clássico. quase 800 páginas na vida de uma família burguesa do século XIX, a viver numa cidade próspera da liga hanseática, como que isolado resto do mundo num jogo de deveres e aparências. e no entanto a elegância com que é escrito, a ironia fina, os momentos de absurdo (tanto para quem os lê agora como para quem os escreveu há mais de 100 anos) compensam a empreitada. há exemplos deliciosos da bolha de alienação e de falsa piedade em que vivem os buddenbrook. apenas dois exemplos deliciosos, o primeiro dos quais durante uma matiné de oração:
"- Minhas queridas! - observou certa vez a consulesa Buddenbrook que por vezes se envergonhava do aspeto das amigas. - É verdade que Deus nos perscruta o coração, mas é preciso ver que os vossos vestidos deixam muito a desejar... Não nos devemos desmazelar..."
destaco ainda um comentário aos acontecimentos revolucionários de 1848
"- Anton! - chamou a consulesa, numa voz trémula, dirigindo-se ao criado que polia as pratas na sala de jantar... - Anton, vai lá abaixo! Tranca a porta da rua! Cerra tudo! É o povo."
o volume de páginas permite-nos assistir a uma espécie de decadência suave, progressiva, durante a qual o tempo exerce o seu carácter de demolição sobre gerações que vão perdendo o pé. nada dura para sempre. embora este seja um clássico para ficar.
ler como se tivesse sido transportado para outro tempo, em jeito de mergulho no século XX. diga-se a verdade, nunca morri de amores por colto maltese e pelas histórias de hugo pratt mas a matéria-prima de que faz esta autobiografia em modo entrevista é especialmente rica. pratt parece ser mais interessante do que as suas personagens, mesmo que o fio da sua história contenha passagens a roçar o inverosímil. tanto melhor, que mau seria se só fôssemos feitos de verdade e memórias lineares. este homem habitou de facto outra época, foi um aventureiro, cortou a direito com a herança familiar do fascismo sem renegar os amigos que andaram de camisa negra quando esse era o zeitgeist. amou, viajou, teve filhos, bebeu, foi feliz na sua profissão, guardou muitas histórias para contar, muitas vezes melhores do que a ficção. o que se pode querer mais? também transportou consigo uma parte da alma do seu tempo que hoje faz torcer o nariz a muitos leitores. pelo menos a mim torce-o sem apelo. traços de marialvismo carregado de poeira, que pelo menos não se dá ao trabalho de disfarçar. em suma, vida invejável, ainda por cima ilustrada. chapeau, ou melhor, cappello, signore pratt.
edição relógio d'água
estes norte-coreanos são tão beras que qualquer dia estamos a convidá-los para aderirem à CPLP.
um dia na vida de... melhor, um dia na morte de um homem. de um jovem. 24 horas que dão corpo a um romance escrito de forma clínica, que corta cerce, sem gorduras nem sentimentalismos, numa reflexão muito bem tecida acerca da perda. a forma como lidamos, ou não, com ela, aquilo que define a vida e a morte, o modo como o próprio homem a define. e a metáfora do coração, tão estafada, tratada de forma superior. as personagens boiam numa espécie de vigilância, cada um no seu tempo e espaço que, à força da vida em comunidade, são partilhados aqui e ali com terceiros. terceiros mergulhados na dor e no espanto, gente que tem por missão alimentar o ciclo da vida, personagens que assistem mais ou menos de perto ao teatro da vida. a questão do transplante, eminentemente filosófica, atravessa o romance. a memória e a ausência também. a morte varrida do espaço público, sacrificada ao bom gosto do social contemporâneo. morremos sozinhos, a vida dos outros continua, e não há romance ou obra arte que resolva esse problema. este livro, drama pacificador, ronda lá perto.
edição teodolito.
um libelo contra a exploração e o capitalismo, passe a redundância, escrito em 1970 mas embaraçosamente actual. ainda assim, este ensaio político engajado não permite desfrutar da elegância da escrita de Galeano, servindo antes como um panfleto com mais corpo e muitas histórias ilustrativas. lendo este livro entendemos também o papel das figuras providenciais e dos anseios por líderes que restituam a dignidade aos povos da américa latina, depois de séculos de rapina e abuso sistemático, mesmo internamente. por exemplo, ajuda a perceber o que se passa em países como a venezuela, sobre a qual tanta gente fala de cátedra e a preto e branco. por exemplo, foi você que pediu um "caracazo" como o de 1989? nessa altura haveria menos deputados portugueses preocupados com a sorte - e o azar - daquela gente.
e graças ao terramoto terá uma baixa pombalina.