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um entre milhões. um retrato entre milhões que poderiam ser feitos dos homens e mulheres quebrados pelo Poder, com maiúscula. neste retrato em três andamentos, vemos (lemos) a vontade dobrada de chostakovich retratada com ironia e amargura, como se estivéssemos a folhear o seu diário. aliás, é um romance que é um diário que é um ensaio, com muitas tonalidades de cinzento. porque não há virtudes absolutas nem homens impolutos nem sistemas perfeitos. aqui não há uma narrativa escorreita, não se trata de uma biografia ficcionada convencional. é antes uma espécie de colecção de aforismos, com a conhecida wit dos britânicos, em geral, e de julian barnes, em particular, que desafia temas como a literatura, o papel da arte ou monstros sagrados stratford-upon avon:
"E, no entanto, apesar disso tudo e da maneira sem paralelo como representava tiranos afundados em sangue até aos joelhos, Shakespeare era um bocado ingénuo. Porque os seus monstros tinham dúvidas, pesadelos, rebates de consciência, culpa. Viam levantar-se à frente deles os espíritos daqueles que haviam assassinado. Mas na vida real, ante o terror real, onde estão a consciência e a culpa? Onde estão os pesadelos? Era tudo sentimentalismo, falso optimismo, esperança de que o mundo fosse como nós queríamos que fosse e não como era".
um bom efeito colateral desta leitura - eu, ignaro, fiquei com muita vontade de conhecer a música de chostakovich, prokofiev ou stravinski. três homens que lidaram de forma distinta com o Poder. aquele Poder. três homens imperfeitos. a fechar, um poema-síntese que de Ievtuchenko que consta do livro e que o condensa na perfeição.
"No tempo de Galileu, um colega cientista
Não era mais estúpido do que Galileu.
Tinha plena consciência de que a Terra girava,
Mas também tinha uma família grande para alimentar".