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hoje enquanto nadava na piscina do costume lembrei-me do toninho cerezo, acontece aos melhores, hoje enquanto bamboleava o corpo de forma desajeitada, mas sempre progredindo, crawl, bruços, costas, à vez, mariposa não, que o bater de asas da borboleta em lisboa pode provocar etc etc e a retoma económica que anda tão frágil, adiante, tenho 25 metros pela frente, hoje enquanto martelava a água lembrei-me do brasil de 82, vá-se lá saber porquê, tenho tão poucas memórias desse ano, a bolsa de pôr a tiracolo do naranjito, mascote da españa, a entrada numa escola acabadinha de estrear para cumprir a segunda classe às ordens da professora rosa, uma das quatro que me compuseram a instrução primária, as doce a cantarem o "bem bom" e pouco mais, o brasil, então, que tantas vezes fez as vezes de portugal nos mundiais, passe a redundância, país irmão com futebol pai, mandão, afinado como uma orquestra, cerezo, falcão, júnior, zico, o doutor sócrates, futebol espectáculo e aquela elegância, motown do pontapé na bola, misto de amor próprio e ousadia vestida de calção curtinho, blusa justa, soberba no toque e no drible, certeza no remate, esse brasil imbatível caído de joelhos em frente à itália, arquétipo do cinismo, ao leme o corrupto rossi, o possante tardelli, o sarrafeiro gentile, delicioso paradoxo, o relativamente talentoso bruno conti, esse brasil perfeito e condenado ao fracasso como tantas vezes acontece, tragédia do romantismo, aliás, a perfeição não existe, até o 10 de nadia comaneci estava contaminado de ceausescu, de sombras, até o calcanhar de zico não fez melhor que o de aquiles, mas também o que conta é tentar, tentar outra vez, tentar melhor, nadar com a espinha toda torta mas avançar, e truncar o beckett num encolher de ombros, aceitar a pele do sísifo sem precisar de ler o camus - dizem que só uma opinadora em portugal é que o faz - sem precisar de saber ler o grego antigo, sem precisar de enganar a morte duas vezes como o filho de éolo, até porque ela tem tempo, todo o tempo, deixa-os, deixa-nos pousar, e enquanto dava umas braçadas lembrei-me então do toninho cerezo, solista sobre quem puseram a pedra da derrota nos ombros à conta de um passe desastrado na zona intermediária, acontece aos melhores, acontece a todos, se aquela bola não fosse parar aos pés do rossi, se a nossa história marítima não fosse trágica, se os rapazes dos tanques não se encontrassem de frente para um amargo de boca e memória, se, se, se. ajeita os óculos, respira fundo, haverá sempre muitas pistas por nadar.