Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]
esta semana vi pela primeira vez a "janela indiscreta", não o fiz antes porque tinha coisas combinadas. e falo disto porque vim de ver o "sopro" do Tiago Rodrigues no dona maria. ou deveria dizer o "sopro" da Cristina Vidal? não, o "sopro" é do Tiago Rodrigues. como o personagem da janela, como quase toda a gente que escreve, cria, retrata, o "sopro" canibaliza terceiros, vampiriza, desfaz e volta a montar, transformando-os em personagens. a diferença é que neste caso se estende a passadeira vermelha à entidade a quem se arrancou a biografia, num jogo de ficção e realidade sagaz, inteligente, ritmado. elipses, gags, drama, um trabalho de corta e cola notável. como o personagem da janela, o autor e encenador observa, disseca e constrói uma narrativa fazendo uso daquilo que só ele vê. ou daquilo que ele inventa para melhor chegar à verdade. à sua verdade. à verdade que quer oferecer ao espectador. à verdade que o espectador acaba desejando, seduzido pela teia urdida pelo criador. e leva a sua avante com distinção, como o homem da janela. no caso do "sopro" adivinha-se a presença da ficção, apesar de o chavão dizer que a realidade é sempre melhor. o que é facto é que aqui a ficção, manobrada com argúcia, parece ajudar ao encaixar do puzzle de uma vida, a vida da ponto Cristina Vidal. e no entanto, diria que uma boa fatia do público dá a versão dos "factos" como boa, rendendo-se ao espectáculo-homenagem a uma mulher que fez a carreira na sombra e que é puxada com justiça para as luzes do palco. eu próprio o fiz. ou seja, comprei um desejo de verosimilhança. depois, no processo de digestão, pensei no papel que o fictício terá necessariamente de desempenhar no espectáculo. e na armadilha da dramaturgia e da encenação que nos leva a acreditar num real que só o é em parte. será legítimo? diria que sim mas não tenho a resposta definitiva. uma coisa é certa, feliz o espectador que sai de uma sala com matéria para pensar. bravo.
ps: o homem da janela tinha razão, o vizinho era mesmo culpado.